Entre fios e pessoas, o invisível se revela, por Gabriela Pegorini
A exposição “Natureza Tecida”, de Sandra Anselmi, vem provocando curiosas e significativas reverberações na cidade de Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Instalada no endereço histórico da rua Júlio de Castilhos, o projeto, revela como a arte pode ser mais do que uma contemplação estética — ela se transforma em meio de reflexão, conexão e, quem sabe, até transformação comunitária.
Há alguns anos atrás, uma frase do livro, a Conduta da Vida, de Emmerson, me chamou a atenção: “O privilégio de qualquer trabalho humano bem feito é cobrir de orgulho quem o fez. Aquele cujo trabalho responde por si, pode eximir-se do esforço de cativar … a escultura é tão bela que não a macula estar no mercado, mas faz do mercado sua silenciosa galeria particular“. Esse verso ressoa em mim, cada vez que entro em contato com trabalhos carregados de verdade.
Sandra tece, literalmente, uma experiência imersiva por meio de esculturas têxteis que remetem ao micélio — o sistema subterrâneo dos fungos que conecta as raízes das florestas em uma teia de suporte mútuo e inteligência coletiva. Essa metáfora orgânica reverbera de maneira profunda: o que está oculto, o que sustenta, o que conecta silenciosamente. A artista utiliza o fio, o nó e o entrelaçamento como linguagem, trazendo à tona saberes ancestrais e valorizando a manualidade como forma legítima de conhecimento.
O impacto da exposição em Farroupilha se estende para além do espaço expositivo. Em uma cidade marcada por tradições industriais e têxteis, Natureza Tecida estabelece uma ponte entre o passado de imigração e um futuro mais sensível, onde arte, natureza e comunidade dialogam. Grupos escolares, artistas locais e visitantes de diferentes culturas e regiões têm encontrado na obra de Sandra uma provocação à escuta, à coletividade e à empatia.
Ao propor a arte como meio, e não como fim, reforçamos que o valor do fazer artístico não está apenas no objeto criado, mas nos processos e encontros que ele possibilita. É uma arte que descoloniza a técnica, que questiona a linearidade da história, e que convida cada visitante a reconhecer sua própria trama dentro do tecido social e natural que nos sustenta.
Natureza Tecida é, mais que uma exposição — é um convite ao sensível, ao invisível e ao essencial. E, especialmente em tempos de reconstrução e cuidado, representa um sopro de reconexão entre o humano e a terra que o abriga. Uma alegria imensa, fazer parte e testemunhar esse movimento, in loco.
Sobre a artista
Sandra Anselmi é artista autodidata cuja pesquisa se fundamenta no uso de materiais reaproveitados por meio do upcycle, transformando resíduos têxteis em arte contemporânea. Sua produção nasce do fazer manual e intuitivo, com forte conexão com a natureza, a ancestralidade e os saberes tradicionais. Através do entrelaçamento de fibras e histórias, suas obras revelam uma poética do cuidado e da regeneração, onde cada fio carrega memória, resistência e renovação.
Gabriela Pegorini
Atua na coordenação da experiência do projeto expositivo, sendo responsável pela articulação de relações institucionais com escolas da rede pública, agentes do mercado de arte, imprensa, associações, arquitetos, grupos especiais e a comunidade em geral. Seu trabalho está na construção de pontes entre a arte e os diversos públicos, promovendo acessibilidade, diálogo e engajamento significativo com a proposta curatorial.