Mercado da Arte

Compliance no Mercado de Arte

COMPLIANCE E MERCADO DE ARTE NO BRASIL

Gabriela Pegorini e Ricardo Behling dos Santos

O compliance, ou conformidade, refere-se ao conjunto de normas, políticas e procedimentos que visam garantir que as atividades realizadas por indivíduos e organizações estejam em conformidade com as legislações vigentes e as melhores práticas do setor.

No contexto do mercado de arte, isso se torna especialmente relevante diante de preocupações como a lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, a proveniência das obras, a proteção dos direitos autorais e a preservação da integridade do mercado. Assim, a implementação de práticas de compliance não se limita apenas a atender exigências legais, mas também a promover a transparência, a ética e a confiança entre os diversos atores envolvidos.

Neste artigo buscamos entender os desafios e as oportunidades que o compliance traz para o mercado de arte, destacando sua importância para a sustentabilidade e a reputação do setor.  Através de leituras, pesquisas, relatórios e entrevistas com profissionais da área do mercado de Arte, buscamos entender os sistemas de venda de obras de arte e seus contextos.

As peculiaridades do mercado de obras de arte e os riscos inerentes às transações sugerem que a aplicação de mecanismos de compliance pode efetivamente trazer maior segurança aos envolvidos, mitigando ameaças e proporcionando transparência a todas as partes e às autoridades públicas.

Quatro pilares podem dimensionar essa política: a geração contínua de dados, a disseminação de informações, a utilização das mídias sociais como ferramentas de verificação e a formação e qualificação do público. Quando um artista é reconhecido e respeitado, sua assinatura e sua história de vida tornam-se sinônimos de autenticidade e qualidade. Isso instiga a confiança dos compradores e colecionadores, elevando não apenas o valor de suas obras, mas também de obras de artistas emergentes que podem ser influenciados por seu trabalho.

Na venda de obras através do mercado financeiro, como a Hurst Capital, a questão moral e a preocupação com a imagem acompanham a transação. Segundo Ana Maria Lima, head de investimentos em arte da Hurst Capital, a venda começa com uma pesquisa de mercado abrangente. Isso inclui a pesquisa histórica do artista, a procedência de sua obra, autenticação e a pesquisa legal de quem realiza a venda. A propriedade da obra é um ponto central na venda como investimento, tornando-se de propriedade coletiva, com a Hurst atuando como tutora. Nesse processo de formalização de negócios, o compliance se destaca como uma ferramenta essencial. Ana Maria questiona: “O que registra a propriedade daquela obra?”

A informalidade do mercado deve ser revisada. O registro de transição, a administração do espólio do artista e a precificação da obra no mercado são questões cruciais. Algumas perguntas surgem: o compliance não deve começar pelo artista?

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em seu Guia de Programa de Compliance, define compliance como um conjunto de medidas internas destinadas a prevenir ou minimizar os riscos de violação das leis decorrentes das atividades de um agente econômico, bem como de seus sócios ou colaboradores.

Embora a adoção de um sistema de integridade comece com medidas internas e o cumprimento da legislação, o compliance irradia externamente o comportamento da companhia, refletindo a postura e a cultura estabelecidas nas relações com o público.

Diante das peculiaridades do mercado de obras de arte e dos riscos inerentes às transações, a aplicação de mecanismos de compliance pode efetivamente trazer maior segurança aos envolvidos, mitigar ameaças e garantir transparência a todas as partes e às autoridades públicas.

No Brasil, temos a Lei Federal nº 9.613/1998 e regulamentações específicas para a comercialização de obras artísticas emitidas pelo Iphan (Portaria nº 396/2016, Instrução Normativa nº 01/2007). Contudo, ainda vemos pouca aderência dos agentes envolvidos e inúmeras dúvidas sobre a regulação do setor.

Embora a legislação do Iphan estabeleça diretrizes e responsabilidades para os comerciantes de material artístico, a regulamentação completa do setor é crucial para todos os envolvidos, desde os artistas até os compradores, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Todos necessitam de maior conhecimento e segurança jurídica sobre a origem dos objetos e os valores que compõem seu patrimônio, especialmente em transações de alto valor.

O Iphan reforçou seus mecanismos de controle sobre o mercado de arte, atuando como regulador complementar na prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. No entanto, ele não é o único órgão regulador do mercado de arte e não se manifesta sobre o valor econômico dos bens, que é função do mercado, nem investiga atividades suspeitas, responsabilidade dos órgãos de persecução penal.

O artigo 10 da Lei nº 9.613/1998 estabelece obrigações para os comerciantes de obras artísticas, como a identificação de todos os clientes, a manutenção de registros de transações acima de um determinado limite e a adoção de políticas, procedimentos e controles internos compatíveis com o porte e volume de operações. Também exige que os comerciantes se cadastrem e mantenham seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador competente, ou no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), e atendam às requisições formuladas por este.

O artigo 11 da mesma lei estabelece orientações e deveres sobre a comunicação de operações financeiras, com atenção especial às que possam constituir indícios de crimes, como lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores.

Dado o contexto peculiar do mercado de obras de arte e as boas práticas empresariais, o mapeamento de riscos inerentes ao negócio deve ser realizado em qualquer área de atuação, seja por uma galeria de arte ou por qualquer outra entidade que comercialize ou explore obras artísticas, bem como em transações entre pessoas físicas.

O mapeamento de riscos tem como objetivo permitir que a empresa avalie suas operações, antecipe e mitigue ameaças ao negócio, aos colaboradores e à sua reputação no mercado. A repercussão negativa de práticas inadequadas pode abalar significativamente a imagem de uma empresa ou de qualquer outro agente, tornando inviável a continuidade de suas operações.

Os riscos de não cumprimento da legislação, regulamentos, códigos de conduta ou padrões éticos podem gerar impactos diversos, incluindo sanções financeiras ou legais, danos à reputação, demandas judiciais variadas, perdas de licenças, inobservância à privacidade de dados e segurança da informação, além de responsabilização social e ambiental.

O mercado de obras artísticas sempre esteve relacionado a atos ilícitos, como lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo, falsificações e roubos. Essas situações despertam o interesse das autoridades sobre a autenticidade, propriedade e valores envolvidos nas transações, assim como o receio e a necessidade de maior clareza e segurança para as partes envolvidas.

A due diligence é um processo de investigação e análise detalhada dos fatores relacionados a uma empresa ou negócio, visando entender profundamente os riscos associados e permitir que potenciais investidores, compradores, fornecedores e outros stakeholders avaliem esses riscos de forma informada.

Embora a due diligence seja normalmente adotada pelo comprador, no mercado de arte, medidas investigativas prévias também pelo vendedor são extremamente importantes, especialmente para evitar a utilização da transação como mecanismo de lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo.

Nesse contexto, reitera-se a ideia de que a utilização de ferramentas de compliance no mercado de obras artísticas, tais como um serviço especializado em avaliação de riscos, duedilligence e investigações, elaboração de códigos de ética e conduta, elaboração e revisão de políticas internas e de relacionamentos com agentes públicos e privados, possam de forma efetiva trazer maior segurança aos envolvidos, mitigando ameaças e dando transparência a todas as partes e às autoridades públicas.